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A linguagem dos sonhos (RCE entrevista Lázaro Freire)
Publicado em: 25 de janeiro de 2009, 23:02:42  -  Lido 4040 vez(es)

A linguagem  dos sonhos 

Por Victor Rebelo, da Revista Cristã de Espiritismo

A partir de entrevista com Lázaro Freire no programa Música e Mensagem (reproduzida ao final)

 

Conforme os registros históricos, desde as civilizações mais remotas os sonhos têm despertado o interesse e a curiosidade da humanidade. As interpretações mais antigas conferiam-lhe um caráter profético ou divino. Era visto como uma forma com que os deuses nos transmitiam recados e alertas. Um exemplo clássico desta forma de entender os sonhos é o caso do escravo e prisioneiro hebreu José (Yossef), que, segundo a Bíblia, teria interpretado os sonhos do Faraó do Egito. Nesta ocasião, o Faraó sonhou que estava próximo ao Nilo, quando emergem sete vacas gordas do rio. Logo em seguida, surgem sete vacas magras que engolem as primeiras. O monarca acordou assustado, mas, voltando a adormecer, teve outro sonho. Desta vez, viu sete robustas espigas de trigo que brotavam de um só talo. Subitamente, sete espigas ralas crescem por trás daquelas e as engolem. O Faraó, preocupado, convoca seus sacerdotes e sábios para que interpretem os sonhos, mas, insatisfeito, convoca José, que já estava há cerca de doze anos na prisão e já tinha interpretado com sucesso os sonhos de antigos prisioneiros. Segundo a interpretação do jovem hebreu, se tratava de um sonho premonitório, profético: “Sete anos se aproximam nos quais haverá grande fartura e abundância de alimentos, em toda a terra do Egito. No entanto, serão seguidos por sete anos de penúria, quando toda a abundância do Egito será coisa do passado e a fome grassará por toda a parte”, narra ao soberano. Desta forma, o Faraó se preveniu e livrou o povo egípcio da fome e da miséria.  Independente da veracidade histórica desta narrativa, o exemplo serve para demonstrar a importância que certos sonhos tinham para os sacerdotes e monarcas de algumas civilizações antigas.

Na Antigüidade, os sonhos eram divididos basicamente em duas classes. Supunha-se que uma classe fosse influenciada pelo presente ou pelo passado, mas nenhum significado futuro e a outra abrangia profecias diretas recebidas num sonho, ou simples previsões de algum evento futuro. Tanto num caso como no outro, poderiam ser sonhos simbólicos, que precisavam de interpretação (chamados de somnium).

Aristóteles, no Século III a.C., propunha que os sonhos eram reflexos do estado do corpo, podendo servir como auxílio no diagnóstico de doenças, idéia aceita por Hipócrates, “pai” da Medicina. Dois séculos após, Artemidoro escreveria o Oneirocriticom, considerado o primeiro livro sobre a interpretação dos sonhos.

Outros povos antigos como os celtas, druidas e pajés das tribos africanas e indígenas brasileiras; xamãs norte-americanos e grandes civilizações da América do Sul, como os Maias e Incas, já percebiam o Homem como um ser integrado a Natureza e os sonhos eram uma forma com que a Mãe Terra falava a seus filhos. Um exemplo dessa visão é o mito tupi-guarani da Criação: “O Criador, cujo coração é o sol, tataravô desse sol que vemos, soprou seu cachimbo e da fumaça desse cachimbo se fez a Mãe Terra. Chamou sete anciãos e disse: gostaria que criassem ali uma humanidade. Os anciãos navegaram em uma canoa que era como uma cobra de fogo pelo céu; e a cobra-canoa levou-os até a Terra. Logo eles ali depositaram os desenhos-sementes de tudo o que viria a existir. Então eles criaram o primeiro ser humano e disseram: você é o guardião da roça. Estava criado o homem. O primeiro homem desceu do céu através do arco-íris em que os anciãos se transformaram. Seu nome era Nanderuvuçu, o nosso Pai Antepassado, o que viria a ser o sol. E logo os anciãos fizeram surgir as águas do grande rio Nanderykei-cy, a nossa Mãe Antepassada. Depois que eles geraram a humanidade, um se transformou no sol, e a outra, na Lua. São nossos tataravôs” (Fonte: Terra Mística).

Partindo desta abordagem, ao sonharmos com elementos da natureza, como os animais, por exemplo, devemos compreender qual é a mensagem que o sonho quer nos passar, e assim, despertarmos determinados aspectos e potenciais latentes em nosso psiquismo.

Esta visão holística do ser humano não faz parte apenas das antigas tradições, mas também foi trabalhada por pensadores ocidentais mais contemporâneos, como Carl Gustav Jung (1875-1961). Fundador da escola analítica de Psicologia, ele introduziu termos como extroversão, introversão e o inconsciente coletivo. Segundo Jung, o inconsciente coletivo não se desenvolve individualmente, ele é herdado. É um conjunto de sentimentos, pensamentos e lembranças compartilhadas por toda a humanidade. 

O inconsciente coletivo é um reservatório de imagens latentes, chamadas de arquétipos ou imagens primordiais, que cada pessoa herda de seus ancestrais. A pessoa não se lembra das imagens de forma consciente, porém, herda uma predisposição para reagir ao mundo da forma que seus ancestrais faziam. Sendo assim, a teoria estabelece que o ser humano nasce com muitas predisposições para pensar, entender e agir de certas formas. Os arquétipos presentes no inconsciente coletivo são universais e idênticos em todos os indivíduos. Estes se manifestam simbolicamente em religiões, mitos, contos de fadas e fantasias.

Para Jung, os sonhos seriam realidades vivas que precisam ser experimentadas e observadas com cuidado. Só assim poderíamos compreendê-los. A função geral dos sonhos seria a de manter nosso equilíbrio psíquico, desempenhando funções complementares ou compensatórias. Como os sonhos se manifestam, muitas vezes, simbolicamente, Jung achava que eles poderiam ter mais de um significado, não podendo haver um sistema simples e mecânico para sua interpretação. Jung também lançou o conceito de sincronicidade, que não se limita a nossa vida onírica, mas também aos acontecimentos do nosso cotidiano. A sincronicidade é uma coincidência significativa entre a vida interior e exterior, revelando que a ordem que nos rege no interior é a mesma que nos rege no exterior, e que estamos integrados com o Universo no fundo de nós mesmos. Jung afirmou que “os sonhos, algumas vezes, podem revelar certas situações muito antes de elas realmente acontecerem” – Entrevistas e Encontros, ed. Cultrix.

Esta abordagem é uma retomada das idéias antigas, que, apesar de ainda fazerem parte da mentalidade popular, repugnava muitos pensadores e cientistas da época. Nesta sociedade pós-Iluminista , marcada pelo alvorecer da Razão, tudo o que lembrava misticismo ou religiosidade era, e ainda é, de certa forma, rechaçado pela elite científica. Mas não foram somente as idéias espiritualistas que sofreram com os limites do cientificismo ortodoxo da época. Sigmund Freud (1856-1939), fundador da Psicanálise, cujas idéias sobre a origem e função dos sonhos diferiam das de Jung, seu contemporâneo, foi ridicularizado e relegado muitos anos a um ostracismo no meio científico.

Freud revolucionou as idéias médicas de sua época, que viam as patologias mentais apenas como o resultado dos distúrbios orgânicos. Ao contrário, Freud solucionou muitos casos em que determinada doença física nada mais era do que um problema de causa psíquica. Para isso, apresentou conceitos como os de Inconsciente, Ego e Super-Ego, entre outros, demonstrando que na psique humana existem forças em constante conflito.

A interpretação dos sonhos

Em 1900, Freud publicou um livro que se tornou um verdadeiro “divisor de águas” na maneira como entendemos os sonhos. Trata-se de A interpretação dos Sonhos. Todo e qualquer psicanalista, seja da “corrente” que for, reconhece esta obra como um marco inaugural. Nele, Freud formula a “divisão” da mente entre consciente e inconsciente. É um livro é pleno de exemplos. Muitos sonhos são analisados e interpretados, inclusive, os do próprio autor. Levou anos para que a obra fosse reconhecida pela comunidade médica da época, pois o preconceito que existia com relação ao tema era muito grande, além das próprias idéias freudianas, que já eram combatidas.

Para Freud, os sonhos seriam realizações de desejos, na maioria, recalcados no inconsciente. Estes desejos reprimidos e “esquecidos” em nosso inconsciente tendem a se manifestar de alguma forma, seja através de neuroses, psicoses ou doenças físicas. No caso dos sonhos, certos desejos que não podemos realizar, por um motivo ou outro, acabam vindo à tona. Normalmente, nosso Super-Ego, responsável pelo nosso senso moral, nos impede de realizarmos estes desejos que vão contra nosso moralismo. Durante o sono a censura diminui, mas ainda está presente, o que explica todo simbolismo que surge nos sonhos. Seria uma forma velada dos nossos desejos se realizarem.

A idéia de um inconsciente já era, de certa forma, conhecida pelos pensadores mais antigos, porém, o grande mérito de Freud foi o de apresentar uma visão mais estruturada da psique humana, cientificamente, tendo como base de suas pesquisas todo o trabalho clínico que exerceu com seus pacientes.

O mesmo aconteceu com relação à antiga idéia de que os sonhos eram uma comunicação dos deuses ou demônios com os homens. Em 1857, Allan Kardec publicou O Livro dos Espíritos, esclarecendo para a mentalidade científica ocidental que os deuses e demônios nada mais eram que espíritos, sendo que a maioria dos espíritos que entravam em contato com a humanidade era a alma dos próprios homens, liberta do cárcere do corpo físico devido a morte deste. Kardec, ao codificar a doutrina espírita, dedica um capítulo inteiro de O Livro dos Espíritos ao tema “Sonhos Espíritas”. Pergunta o codificador: “Durante o sono, a alma repousa como o corpo? Não, o Espírito jamais está inativo. Durante o sono, afrouxam-se os laços que o prendem ao corpo e, não precisando este então da sua presença, ele se lança pelo espaço e entra em relação mais direta com os outros Espíritos ”.

Vários experimentos e pesquisas realizadas por Kardec sustentaram esta possibilidade. Apesar de existirem associações de médicos espíritas mundialmente respeitadas, esta possibilidade afirmada por sábios da Antigüidade e confirmada pelos espíritos a Kardec não é aceita pela Ciência oficial. Até mesmo as idéias de Freud, Jung entre outros, ainda encontram certa negação da parte de certas alas da Medicina.

A neurofisiologia analisa os sonhos como sendo uma atividade mental ligada a uma série de ocorrências que se sucedem durante a fase de sono REM dos mamíferos. O dr. Flávio Alóe, médico neurofisiologista clínico que trabalha no Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas, explica que “o sono REM é um estado comportamental diferente do estado de vigília e do sono profundo. É uma fase em que o cérebro está ativo e o corpo ativamente paralisado para que a pessoa não saia fazendo o que está sonhando.

Nos seres humanos, o primeiro estágio do sono é superficial. Nos 30 ou 40 minutos seguintes, paulatinamente, ele atinge sua fase mais profunda. Duas horas depois de terem adormecido, as pessoas entram no sono REM, fase em que ocorre o desligamento da musculatura corporal e aparecem os movimentos oculares rápidos, marcadores fáceis de serem percebidos com monitorização laboratorial pelo perfil de atividade das ondas cerebrais. Se acordadas nesse período, 95% das pessoas dirão que estavam sonhando.” (Fonte: dr. Drauzio Varella).

Ainda segundo o dr. Flávio Alóe, “do ponto de vista neurofisiológico, o sonho desempenha uma série de funções. Uma é descarregar o excesso de informações, de resíduos que deixaram de ser interessantes. Outra vem sendo estudada desde 1988 e indica que o sonho é importante para fazer a reverberação, ou seja, a reativação de determinados circuitos. Parece que ele tem a função de proporcionar um aprendizado indispensável para a perpetuação da espécie, pois facilita a transferência de elementos apreendidos durante a vigília de uma memória de curto prazo para outra de mais longo prazo. É como passar repetidas vezes uma fita de vídeo para que a pessoa assimile o que nela está contido”.

Neste momento, o leitor pode estar se perguntando qual destas abordagens do sonhos, além de outras interpretações, estariam corretas. A resposta é simples: todas! É claro que os sonhos são uma atividade cerebral, mas o cérebro é um aparelho. Acima dele temos o espírito, que pode perfeitamente entrar em contato com outros espíritos, pois a consciência semi-liberta do corpo encontra mais facilidade para se manifestar. Mas é claro que não podemos considerar qualquer sonho como comunicação com os espíritos. É óbvio que existem sonhos (a maioria) que são fabricados pela nossa mente, sendo realizações de desejos. Mas não podemos nos esquecer de que se Deus é a causa primária de todas as coisas, tudo existe de forma integrada, e portanto, a natureza que nos rodeia, assim como os arquétipos gravados no inconsciente coletivo também podem se manifestar em nossos sonhos. Ou seja, quando acordamos e nos lembramos dos sonhos, sejam eles sonhos alegres, prazerosos ou ao contrário, carregados de uma carga emocional angustiante, como é o caso dos pesadelos, devemos analisá-los com cuidado e bom senso, pois um sonho pode tanto ter uma causa quanto outra, ou ainda, várias causas misturadas. Por isso, é importantíssimo termos uma noção geral, mas bem clara, das idéias dos principais pensadores, como Freud, Jung, Kardec... pois conhecendo nossos sonhos, conheceremos mais a nós mesmos. Todos sonhamos, ainda que não nos lembremos dos sonhos. Sonhar, é acima de tudo, um ato de criação, sendo que toda criação faz parte da mesma e única Realidade Divina.

Para falar um pouco mais sobre o tema, reproduzirei a seguir a entrevista que Lázaro Freire, espiritualista e terapeuta transpessoal, me concedeu ao vivo no programa Música e Mensagem, que apresento aos sábados, às 16h, na Rádio Mundial 95,FM, de São Paulo. 

Lázaro, como os sonhos atuam em favor do nosso crescimento interior?Como vários autores dizem, o sonho é uma carta aberta de você para você mesmo e que chega todos os dias com questões primordiais da sua vida e até do mundo espiritual e a gente simplesmente não abre, mas os recados estão ali. Por exemplo, se você tem um aspecto em desarmonia, descompensado na sua vida, se está faltando prazer, o sonho vai reequilibrar esta falta. Então, você pode sonhar, por exemplo, que está comendo muito chocolate ou que está tendo alguma atividade prazerosa qualquer, e por aí vai. Uma pessoa que é muito calada, agüenta muita humilhação no trabalho, pode sonhar que está agredindo o chefe.Os sonhos possuem várias funções, estou falando da função compensação, que é uma delas. Nessa função compensação ele reequilibra algo que não está bem. Mais um exemplo: se a pessoa está insegura diante do trabalho dela ou até mesmo, não está fazendo o adequado, que pode ser até em função da insegurança, através dos sonho ela poderá acessar um possível futuro, como um alerta, dizendo “atenção, continuando desse jeito você pode perder o emprego!”.Mais comum ainda é em caso de relacionamento afetivo. Uma mulher sonha que o marido está cometendo adultério, só que esta mulher já tem um histórico de insegurança, de ciúmes obsessivo, então, fatalmente o inconsciente entra em ação através dos sonhos, e quando eu falo em inconsciente pode significar, também, um recado do guia espiritual, do amparador, do anjo guardião, Deus... eu não vou entrar na crença de cada pessoa, o que me importa é o significado da mensagem em si. 

Mas existe diferença entre um sonho e uma projeção astral...

Existe diferença sim e a gente pode perceber, mas o maravilhoso disso é que para você fazer um trabalho terapêutico, de crescimento interior, não é preciso entrar nesse mérito, porque o recado foi transmitido, basta a pessoa ter a chave das metáforas e isso é perfeitamente possível. Mas, infelizmente, muitos projetores tendem a menosprezar o valor dos sonhos. Preocupam-se em estudar os aspectos da projeção e quando se deparam com momentos de onirismo, de sonhos misturados a projeção, acham que não importa.  

E o pesadelo? Seria um mau sinal?

Na maioria das vezes, não existe nada de negativo com relação ao pesadelo. Eu fico muito mais preocupado quando um paciente chega dizendo que só tem sonhos “coloridos”. Isso sim é complicadíssimo, pois o indivíduo que leva uma vida medíocre vai acabar compensando demais com sonhos “coloridos”.

E os sonhos premonitórios?

Muitas vezes, nosso inconsciente, para nos enviar uma mensagem de alerta, pode acessar dados de um possível futuro. É o que Jung chamou de função de prospecção do sonho. Nos cursos que ministro, eu sempre pergunto quem já sonhou com algo do cotidiano, nada de extraordinário, que no dia seguinte aconteceu conforme o sonho, e muitas pessoas respondem afirmativo. Mas em outros casos, não são premonições, mas simples metáforas, que também são importantes e nos servem de alerta.

Vou contar o caso de uma freqüentadora da Voadores, a nossa lista de discussão na Internet sobre Projeção Astral. Essa pessoa sonhava que os filhos morriam e estava certa de que este sonho era premonitório. Na verdade, este pesadelo chamava sua atenção a um cuidado excessivo que ela vinha tendo com os filhos. Talvez, ela estivesse deixando de viver a vida dela para, somente, cuidar dos filhos. Talvez, estivesse super-protegendo os filhos, o que não é saudável pra ela, nem para as crianças. Então, chegou uma hora em que o próprio inconsciente começou a buscar uma forma de “equilibrar a balança”, através dos pesadelos que ela estava tendo... era uma válvula de escape. Da mesma forma acontece com um adolescente cheio de hormônios que sonha que está satisfazendo suas necessidades sexuais... é um reequilíbrio de sua psique. O mais importante não é se se trata de um sonho é premonitório, se foi um recado espiritual etc. O fundamental é entendermos o recado que nossos sonhos querem nos passar. Isso já foi amplamente pesquisado e discutido, até mesmo entre os xamãs das tribos primitivas. Na Antigüidade,  com os egípcios, temos José e sua interpretação dos sonhos do Faraó... o que acontece é que passamos a ter uma vida mais neurótica, de uns tempos pra cá, aqui no Ocidente, e perdemos muito desta conexão, onde, muitas vezes, surgem recados profundos de “nós para nós mesmos”  ou até do plano espiritual.     



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